quinta-feira, 29 de março de 2018

Pequeno grande livro: "Liturgia: Mistério da Salvação"

... que as pessoas aprendam o que é liturgia a partir de dentro, o que ela realmente significa, vivenciando-a. (Bento XVI, em O último testamento / Peter Seewald, 1ª ed., São Paulo, Planeta, 2017, p. 239)


Pequeno em tamanho e em número de páginas (não além de 40), mas grande em conteúdo, eis o que é o livro Liturgia: Mistério da salvação, cujo título da edição italiana é Liturgia - Misterium salutis. A tradução é de José Dias Goulart.

O autor dessa obra outro não é senão Monsenhor Guido Marini, Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, que acompanhou o Papa Bento XVI, e agora o Papa Francisco, nas celebrações litúrgicas.

O livro se propõe a enfrentar alguns temas referentes ao espírito da liturgia. Citados na obra, Romano Guardini e Joseph Ratzinger (Bento XVI) são baluartes do estudo do espírito da liturgia

Deixar-se conduzir pelo Espírito Santo ao âmago, ao elemento medular da liturgia, eis o espírito da liturgia; ou, como diz Guido Marino, 

Um espírito, digo mais, que nos leva ao essencial da liturgia, ou seja, a uma oração inspirada e guiada pelo Espírito, na qual Cristo continua a ser nosso contemporâneo, irrompendo em nossa vida. De fato, o espírito da liturgia é a liturgia do Espírito. (p. 8).

O centro de algumas indagações teológicas ou litúrgicas têm por palco o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). As dificuldades na recepção do Concílio Vaticano II desaguam na liturgia, vindo a formar duas correntes. Eis o que diz o Papa Bento XVI, no seu Discurso aos Cardeais, Arcebispos e Prelados da Cúria Romana na apresentação de votos de Natal (quinta-feira, 22 de dezembro de 2005):

O último acontecimento deste ano, sobre o qual gostaria de me deter nesta ocasião, é a celebração do encerramento do Concílio Vaticano II, há quarenta anos. Tal memória suscita a interrogação: qual foi o resultado do Concílio? Foi recebido de modo correcto? O que, na recepção do Concílio, foi bom, o que foi insuficiente ou errado? O que ainda deve ser feito? Ninguém pode negar que, em vastas partes da Igreja, a recepção do Concílio teve lugar de modo bastante difícil, mesmo que não se deseje aplicar àquilo que aconteceu nestes anos a descrição que o grande Doutor da Igreja, São Basílio, faz da situação da Igreja depois do Concílio de Niceia: ele compara-a com uma batalha naval na escuridão da tempestade, dizendo entre outras coisas: "O grito rouco daqueles que, pela discórdia, se levantam uns contra os outros, os palavreados incompreensíveis e o ruído confuso dos clamores ininterruptos já encheram quase toda a Igreja falsificando, por excesso ou por defeito, a recta doutrina da fé..." (De Spiritu Sancto, XXX, 77; PG 32, 213 A; Sch 17 bis, pág. 524). Não queremos aplicar exactamente esta descrição dramática à situação do pós-Concílio, todavia alguma coisa do que aconteceu se reflecte nele. Surge a pergunta: por que a recepção do Concílio, em grandes partes da Igreja, até agora teve lugar de modo tão difícil? Pois bem, tudo depende da justa interpretação do Concílio ou como diríamos hoje da sua correcta hermenêutica, da justa chave de leitura e de aplicação. Os problemas da recepção derivaram do facto de que duas hermenêuticas contrárias se embateram e disputaram entre si. Uma causou confusão, a outra, silenciosamente mas de modo cada vez mais visível, produziu e produz frutos. Por um lado, existe uma interpretação que gostaria de definir "hermenêutica da descontinuidade e da ruptura"; não raro, ela pôde valer-se da simpatia dos mass media e também de uma parte da teologia moderna. Por outro lado, há a "hermenêutica da reforma", da renovação na continuidade do único sujeito-Igreja, que o Senhor nos concedeu; é um sujeito que cresce no tempo e se desenvolve, permanecendo porém sempre o mesmo, único sujeito do Povo de Deus a caminho. A hermenêutica da descontinuidade corre o risco de terminar numa ruptura entre a Igreja pré-conciliar e a Igreja pós-conciliar. Ela afirma que os textos do Concílio como tais ainda não seriam a verdadeira expressão do espírito do Concílio.

Na esteira de Bento XVI, o autor do livro alinha-se aos que defendem a hermenêutica da continuidade, que é, segundo Guido Marini, "a única interpretação correta da vida da Igreja, e em particular dos documentos  conciliares, como também dos propósitos de reforma em todos os níveis neles contidos". (p. 6)

Nessa sequência, o autor afirma:

Fruto dessa ideologia desviante, por exemplo, é a corrente distinção entre Igreja pré-conciliar e Igreja pós-conciliar." (p. 6)

Tal linguagem, segundo o mesmo autor, até pode ser legítima se não se quer passar a ideia de duas Igrejas: uma - pré-conciliar - que já não teria coisa alguma a ver com o presente, nada teria a oferecer para hoje, enquanto a outra - a Igreja pós-conciliar - é a Igreja de hoje, "uma realidade nova nascida do Concílio e de algum presumido espírito seu, que se tenha rompido com o passado". (p. 7)

Na medida, portanto, que se quer distinguir a existência de duas Igrejas (pré-conciliar e pós-conciliar) estar-se-á fazendo incorreta interpretação da vida da Igreja.

Nestas alturas da exposição, o próprio autor da obra indaga:

O que até aqui se afirmou a respeito da "continuidade", será que tem algo a ver com o tema que somos convidados a tratar? Absolutamente sim. Pois não pode existir o autêntico espírito da liturgia, quando não buscada com ânimo sereno e nada polêmico a respeito do passado, tanto remoto quanto próximo. A liturgia não pode nem deve ser terreno de choque entre os que só encontram o bem naquilo que havia antes de nós, e, por outro lado, aqueles que só enxergam o mal naquilo que existia antes. Somente a disposição de olhar o presente e o passado da liturgia da Igreja, como patrimônio único que se desenvolve homogêneo, é que pode levar-nos a obter, com alegria e prazer espiritual, o autêntico espírito da liturgia. Um espírito que precisamos acolher da Igreja e que não é fruto de nossas invenções. (pp. 7-8)

Por oportuno, nessa esteira de princípios, não se de há de falar de descontinuidade e ruptura com o Concílio de Trento (1545-1562)

O autor bate firme: "tratar hoje do espírito da liturgia é mais do que necessário, sobretudo entre os sacerdotes." (p. 5)

Feita a introdução, o livro está dividido por temas:

1 - A Sagrada Liturgia, grande dom de Deus à Igreja (pp. 11-17).

2 - Orientação da oração litúrgica (pp. 19-24.

3 - Adoração e união com Deus (pp. 25-29).

4 - Participação ativa (pp. 31-36).

5 - Música sacra ou litúrgica (pp. 37-41)

Os cinco temas, bem sintetizados pelo autor, proporcionam matéria para próximos posts.


Leia mais:

A Adoração em Espírito e Verdade, por Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap.


Fonte da imagem:
http://www.paulus.com.br/loja/liturgia-misterio-da-salvacao_p_3040.html

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