domingo, 29 de março de 2020

CNBB reforça a recomendação do distanciamento social. Ou seja: igrejas fechadas!

 Conheço teu comportamento: tu não és frio nem quente; quem dera que fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, nem frio e nem quente, estou para vomitar-te de minha boca.
(Ap 3, 15-16)  
  
 Penso nas pessoas que certamente abandonarão a Igreja, quando esse pesadelo acabar, porque a Igreja as abandonou quando precisavam.
(Padre Yoannis Lahzi Gadi, secretário do Papa Francisco, [Quo vadis, Domine? (Senhor, para onde vais?)]




1. Eu penso que o cristão católico não quer a sua igreja de portas fechadas. Decretos injustos, determinando o fechamento de igrejas, menosprezam-nas e chegam a equipará-las a estabelecimentos comerciais, como se elas praticassem atos de comércio.

Fechar igrejas é feri-las de morte; é desafiar a ira divina.

Igreja fechada sugere igreja sem Cristo! Anúncio de que Deus está morto!

De outra banda, ao contrário do que se entrevê por aí, a internet não é substituta de igreja católica; desta, não faz as suas vezes.


2. O distanciamento social recomendado pela Conferência Nacional do Bispos do Brasil - CNBB conduz a igrejas católicas fechadas, a igrejas católicas de portas cerradas. 

Essa posição da CNBB não é a mais acertada. Nos templos da Igreja Católica Apostólica Romana está presente, diuturnamente, o Cristo Ressuscitado e Glorioso. Não é pouca coisa!

A rigor, o Governo Federal (Decreto nº 10.292, de 25/03/2020) não precisava incluir as igrejas entre os serviços que atraem para si a aplicação do princípio da continuidade do serviço público (princípio que extraio do Direito Administrativo). Mas o fez, quiçá porque entes político-administrativos outros da República imiscuíram-se, indevida e arbitrariamente, em crença religiosa, negligenciando direitos fundamentais.

À guisa de exemplo, o Município de Santos (SP) determinou o fechamento de igrejas. Fechamento não é a mesma coisa que restrição à realização de culto sob a ótica da saúde pública.

O Regulamento Sanitário Internacional (2005), promulgado pelo Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020, ao estabelecer no artigo 3º Princípios para a sua aplicação, diz:  
1. A implementação deste Regulamento será feita com pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas.
Disso decorre, obviamente, que a crença religiosa e a sua prática pública são direitos amparados também pela artigo 3º, inciso 1, do sobredito Regulamento.

Já falei sobre o fechamento de igrejas católicas. A Lei Federal e os Decretos que a regulamentam, quando falam de funcionamento, falam-no no sentido de não fechamento - penso eu.

As igrejas da Igreja Católica estão para além de essencialidade eventualmente normatizada pelo direito positivo. As igrejas têm uma essencialidade própria, inextinguível e divina para realizar as coisas materiais (caridade, hospitalidade...). E o núcleo da razão de ser das igrejas (Igreja Católica Apostólica Romana) está no mandato recebido de Deus, Pai Eterno: a missão de guiar os homens  para serem elevados à participação da vida divina. Esse mandato não é pouco! Em verdade, o Concílio Ecumênico Vaticano II expõe:
O Eterno Pai, pelo libérrimo e insondável desígnio da Sua sabedoria e bondade, criou o universo, decidiu elevar os homens à participação da vida divina e não os abandonou, uma vez caídos em Adão, antes, em atenção a Cristo Redentor «que é a imagem de Deus invisível, primogénito de toda a criação» (Col. 1,15) sempre lhes concedeu os auxílios para se salvarem. Aos eleitos, o Pai, antes de todos os séculos os «discerniu e predestinou para reproduzirem a imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogénito de uma multidão de irmãos» (Rom. 8,29). E, aos que crêem em Cristo, decidiu chamá-los à santa Igreja, a qual, prefigurada já desde o princípio do mundo e admiràvelmente preparada na história do povo de Israel e na Antiga Aliança, foi constituída no fim dos tempos e manifestada pela efusão do Espírito, e será gloriosamente consumada no fim dos séculos. Então, como se lê nos Santos Padres, todos os justos depois de Adão, «desde o justo Abel até ao último eleito», se reunirão em Igreja universal junto do Pai. (Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja, n. 2) - destaques em negrito não são do original.
Mais adiante:
Pelo que a Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra. Enquanto vai crescendo, suspira pela consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória. (Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja, n. 5)
No Comunicado acima, a CNBB interpreta o conjunto de normas sobre o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19) sob a ótica estritamente literal, quando, em verdade, as dúvidas na aplicação dessas disposições legais reclamam ser equacionadas pela interpretação finalística (teleológica). E ainda mais: a legislação está redigida num linguajar comum, corrente, e não no das crenças que é mais técnica (bíblica, teológica), razão para ter-se cautela na interpretação. Não se contentar somente com interpretação literal.

A CNBB está passando para os brasileiros, sobretudo para os leigos católicos, a inquietante sensação de que ela está anuindo à decretação de igrejas católicas fechadas. É muito estranho! Não se lê aqui ou alhures uma nota de repúdio por parte de autoridade eclesiástica. Passividade que suscita dubiedade.


3. Para reflexão, gostaria de finalizar com as palavras do Padre Yoannis Lahzi Gaid, secretário do Papa Francisco:
É bom que as igrejas permaneçam abertas. Os padres devem estar na linha de frente. Os fiéis devem encontrar coragem e conforto olhando para os pastores. Os fiéis devem saber que, a qualquer momento, podem correr a refugiar-se nas igrejas e paróquias e encontrá-las abertas e prontas para os acolher. A Igreja deve ser chegar às pessoas também através de um "número verde" para o qual a pessoa possa ligar para ser consolada, pedir combinar uma confissão, para receber a Sagrada Comunhão comunicado ou para que seja dada a entes queridos. 
Devemos aumentar as visitas às casas, casa por casa, usando todas as precauções necessárias para evitar o contágio; nunca nos fechando mas sim vigiando. Caso contrário, acontece que são entregues nas casas as refeições, as pizzas, mas não a Comunhão, especialmente a pessoas idosas, doentes e carentes. Acontece que supermercados, quiosques e tabacarias permanecem abertos, mas não as igrejas. 
O Governo tem o dever de garantir cuidado e apoio material às pessoas, mas nós temos o dever de fazer o mesmo com as almas. Que nunca se diga: "Eu não vou a uma igreja que não me veio visitar quando eu precisava". [Quo vadis, Domine?(Senhor, para onde vais?)]


Leia mais:

Um quadro da perseguição aos cristãos no mundo


Fonte da imagem:
https://pt.aleteia.org/2017/08/29/quo-vadis-domine/

segunda-feira, 23 de março de 2020

Fechamento de igrejas católicas: entrevê-se a negação de Deus e o abuso de autoridade


"Na crise de fé que estamos vivendo, o ponto neurálgico é, cada vez mais, a recta celebração e a recta compreensão da Eucaristia [...].
Todos nós sabemos qual é a diferença entre uma igreja onde se reza e uma igreja reduzida a um museu. Hoje corremos o risco do que as nossas igrejas se convertam em museus e acabem como os museus: se não fecharem, serão espoliados. Não têm vida. A medida da vitalidade de uma igreja, a medida da sua abertura interior, mostrar-se-á pelo facto de as suas portas poderem permanecer abertas, precisamente por ser uma igreja onde se reza continuamente".
[(Cardeal Joseph Ratzinger, Selecção de textos (até Abril de 2005)]



""Tu serás homem de princípios", dizia [Pe. François de Sales Pollien], "e os princípios não se prestam a transigência alguma: são ou não são. Quando, porém, se trata de meios a adotar, podes e deves ser conciliador. A prática deve adaptar-se todas as situações, servir-se de tudo. Firmeza nos princípios, suavidade nos meios"". (A Vida Interior simplificada e reconduzida ao seu fundamento, 2ª edição, São Paulo, Cultor de Livros, 2019, p. 17)

Logo, e desde o início, seja dito que sobre princípios não se negocia e não se transige, sob pena da perda da própria identidade.


1. Nas igrejas católicas, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, está realmente presente. Ele, agora Ressuscitado e Glorioso, vive na igreja. Ele está realmente presente no Sacrário. Nós, católicos precisamos visitá-lo. Estar e conversar com ele também fora das Missas, mormente nesta fase de peste. São momentos confortantes que nenhuma autoridade do Estado pode proporcionar.

Não obstante isso, em algumas cidades (como em Santos - SP, por exemplo), as igrejas católicas estão com as portas literalmente fechadas: ou por ordem judicial ou por ordem da autoridade municipal. E, ato contínuo, acatadas pela autoridade eclesiástica, sem mais indagações. Repita-se, com letras garrafais, FECHADAS. Portas trancadas.

Medida do poder público que vai muito além de eventuais recomendações ou diretrizes para os casos específicos de aglomerações de fiéis (Missas).

Bons tempos aqueles em que a igreja era lugar sagrado em que o profano não metia o nariz. O profano, em tempos de extremado individualismo, de indiferentismo religioso e de barata e perniciosa politização dos fatos, está a intrometer-se em lugar que não é da sua conta. Está mais que xeretar.

A Igreja Católica antecede à instituição do Estado Moderno. A Igreja Católica, herdeira da cultura judaica, grega e latina, plasmou o Ocidente. 

Desde os primitivos tempos, a hospitalidade e o acolhimento (refúgio) sempre foram prezados pela Igreja.


2. Missa online (internet), pela televisão ou pelo rádio não é a mesma realidade que a Missa presencial. Pela televisão ou outro meio assemelhado, o preceito de participar da Missa (cânones 1246-1248 do Código de Direito Canônico) não é satisfeito. Verdadeiramente o que acontece é que, na presente situação da peste (Covid-19) que assola o mundo, irrompeu um impedimento grave, razão pela qual o fiel está dispensado do cumprimento do preceito. Nesse aspecto, é conveniente ouvir o grande teólogo Joseph Ratzinger (Bento XVI):

"Notemos, portanto, que através do rádio, por exemplo, jamais se pode transmitir uma celebração sacramental, mas apenas uma liturgia missionária". (O novo Povo de Deus, 1ª edição, São Paulo, Editora Molokai, 2016, p. 380)

É melhor ter Missas pela televisão, pelo rádio do que nada. E muito melhor: elas mantêm os fiéis conectados com a sua paróquia e o seu pároco, todos na mesma sintonia com Deus, seus anjos e seus santos, além do conforto da alma e do crescimento espiritual.


3. A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada a 5 de outubro de 1988, invocando a proteção de Deus, não criou, porque a Igreja com todos seus atributos antecede ao Estado, mas reconheceu direitos fundamentais que, entre outros, a ela são ínsitos:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
 (...)"

Deixar o fiel católico sem a assistência espiritual, porque fechadas as igrejas, é ferir a dignidade da pessoa humana, um dos  princípios fundantes da nossa Carta Política:

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
(...)"

O princípio da dignidade humana é colocado no mesmo nível do da soberania.

O Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, aprovado pelo Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010, dispõe:

"Artigo 2º A República Federativa do Brasil, com fundamento no direito de liberdade religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar a sua missão apostólica, garantindo o exercício público de suas atividades, observado o ordenamento jurídico brasileiro."

No caso, o Estado não cria, não confere este ou aquele direito, mas sim reconhece aquilo que já preexiste.

Decisão do Poder Judiciário ou Decreto do Poder Executivo Municipal são violadores da Constituição da República e do supramencionado Acordo. Não podem prosperar, e até mesmo porque violam o Direito Internacional (o princípio, internacionalmente reconhecido, de liberdade religiosa). 

Na verdade,

"Sem princípios não se faz nada, nem em matemática, nem em química, nem em religião" (Pe. Pollien, Obra citada e página)

Vou ater-me, ainda que ligeiramente, ao Decreto nº 8.896, de 19 de março de 2020, do Município de Santos (SP), baixado pelo Prefeito Municipal.

O Decreto contem contradições em si mesmo. Contradições tais que violam o princípio constitucional da isonomia.

Pela mesma régua o Decreto iguala igrejas a casas noturnas, danceterias, bares etc:

"Art. 2º Em razão do reconhecimento do estado de emergência, fica determinado o fechamento de "shoppings centers", centros de compras, galerias, academias de ginástica, clubes sociais, esportivos e similares, buffets infantis, casas de festas, casas noturnas, danceterias, bares e estabelecimentos congêneres, bem como igrejas e templos de qualquer culto, a partirr de 20 de março de 2020, por tempo indeterminado. 
Parágrafo único. Excetua-se do disposto no "caput" o funcionamento de mercados, supermercados, farmácias e drogarias no interior de "shopping centers", centros de compras, galerias e estabelecimentos congêneres, mediante o controle de acesso pelo estabelecimento responsável."

Por outro lado, mediante o controle de acesso, abriu as exceções contempladas no parágrafo único para mercados, supermercados, farmácias e drogarias no interior de "shopping centers", centros de compras, galerias e estabelecimentos congêneres. Não, porém, para as igrejas.

As igrejas não se encaixam nas exceções. Como induz o Decreto, as igrejas não teriam condições de fazer o controle preconizado. Logo, estão fora das exceções.

Não só, mas também: o Decreto municipal supõe-se que esteja a desrespeitar a Lei Federal nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que:
 
Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

A mesma suspeita sucede com relação ao Decreto Federal nº 10.282, de 20 de março de 2020, que:

Regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais.

Por derradeiro, São Tomás de Aquino adverte:

"A legislação humana só se reveste do carácter de lei, na medida em que se conforma com a justa razão; daí ser evidente que ela recebe todo o seu vigor da Lei eterna. Na medida em que se afastar da razão, deve ser declarada injusta, pois não realiza a noção de lei: será, antes, uma forma de violência"
(in Catecismo da Igreja Católica, n. 1902, S.Th. I-II, 93, 3, ad 2)

4. Sobram singulares perguntas: essa política seletiva não estará a insinuar um juízo de desvalor das igrejas? Plantar e excitar conflitos? Quiçá, um ensaio para voos maiores contra a Igreja Católica?

Arremato com as ponderadas e firmes palavras do Papa Leão XIII:

Do mesmo modo, cumpre admitir que, não menos que o Estado, a Igreja, por sua natureza e de pleno direito, é uma sociedade perfeita; que os depositários do poder não devem pretender escravizar e subjugar a Igreja, nem lhe diminuir a liberdade de ação na sua esfera, nem lhe tirar seja qual for dos direitos que lhe foram conferidos por Jesus Cristo. Nas questões do direito misto, é plenamente conforme à natureza, bem como aos desígnios de Deus, não separar um poder do outros, e ainda menos pô-los em luta, mas sim estabelecer entre eles essa concórdia que está em harmonia com os atributos especiais por cada sociedade recebidos da sua natureza. (Carta Encíclica Immortale Dei sobre a Constituição Cristã dos Estados, n. 44)



Fonte da imagem:
http://www.saopelegrino.com.br/novo/capela-jesus-bom-pastor.php