quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Espiritualidade



“Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20)


Espiritualidade vem de espiritual, que, por sua vez, vem de espírito. A espiritualidade não é monopólio desta ou daquela religião. Nem é necessário ter um credo religioso.

Para os cristãos, espiritualidade, ou vida no Espírito, é viver de acordo com o Cristo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6).

Para melhor assimilar a riqueza de uma vivência na espiritualidade, é preciso vencer a concepção dualista do homem (ser humano). A concepção dualista, que deita raízes na cultura grega, e muito propagada na Idade Média pela Igreja, considera o homem como um composto de duas partes justapostas: corpo e alma.

Para nossa mentalidade ocidental, mesmo no tempo de hoje, supomos que corpo equivale a carne e que alma equivale a espírito.

As coisas, porém, não são bem assim. O termo carne, por exemplo, segundo o padre Johan Könings, SJ (Jornal de Opinião, nº 793, pág. 17), significa em hebraico “a existência humana, a humanidade”. Enquanto, em grego, significa “músculos etc., a matéria do corpo, muitas vezes em sentido depreciativo”.

O apóstolo Paulo usou o termo “carne” no sentido grego, como se lê, por exemplo, na Carta aos Gálatas 5, 19-21, e o fez influenciado por aquela cultura. Daí, o caminho para considerar o corpo como coisa inferior, pecaminosa. Nessa linha, o cristianismo medieval enalteceu o desprezo pelo corpo e por tudo o que lhe diga respeito, com reflexos na cultura atual.

A concepção dualista da pessoa humana acaba por ser perigosa para a espiritualidade. Valoriza-se o imaterial - o espírito (como algo superior do ser humano) - e despreza-se o corpo, considerado simplesmente como carne.

A recuperação do sentido hebraico do ser humano como unidade totalizante, globalizante, é necessária para a construção da espiritualidade como modo de ser da pessoa, de viver e de agir, e não apenas como estado ou momento passageiro da vida. Logo, a espiritualidade diz respeito também à corporeidade. Nesse sentido, Thomas Merton: “Ter uma vida espiritual é ter uma vida que é espiritual em toda a sua inteireza, uma vida em que as ações do corpo são santas por causa da alma, e a alma é santa por causa de Deus que habita e age nela” (Homem algum é uma ilha, Rio, Agir, 5ª ed., 1968, p. 96).

Há uma diversidade de espiritualidades cristãs, ou modelos de espiritualidade cristã, umas ligadas ao estado de vida, outras às ordens religiosas, e assim por diante.

Afinal, no concluir do teólogo Leonardo Boff, “(...) a experiência de Deus não constitui um luxo só de alguns. É a condição indispensável para toda a vida de fé. Toda religião assenta sobre uma experiência de Deus. Sem ela os dogmas são andaimes rígidos; a moral, uma couraça opressora; a ascese, um rio seco; a prática religiosa, um desfiar monótono de gestos estereotipados; a devoção, um estratagema para combater o medo; e as celebrações, uma ostentação vazia, sem a graça da vida interior.” (Experimentar Deus: a transparência de todas as coisas, Campinas, Verus Editora, 2002, p. 155).


Leia mais:

Sobre a dicotomia carne-espírito, consulte aqui.


Fonte da imagem:
http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_canal=30&cod_noticia=17986
 

domingo, 25 de setembro de 2011

Bento XVI discursa no parlamento alemão




A política deve ser um compromisso em prol da justiça e, assim, criar as condições de fundo para a paz. (Bento XVI)

O Papa Bento XVI está visitando a sua terra natal como chefe de Estado da Cidade do Vaticano. O programa pode ser lido aqui.
 
O Papa discursou dia 22, quinta-feira, no parlamento nacional da República Federativa da Alemanha, o Bundestag, em Berlim. É a primeira vez que um Papa fala no parlamento alemão.

O simbolismo é importante. É o areópago dos dias de hoje.

À semelhança de Paulo no Areópago de Atenas (At 17, 16-34), agora, na terra dos grandes filósofos e juristas, dos teólogos e da Reforma Luterana, Bento XVI desenvolveu um discurso focado, como diz o Papa, na proposição de "algumas considerações sobre os fundamentos do Estado liberal de direito", desaguando nos direitos fundamentais, aliás muitos caros aos alemães, numa visão bíblico-teológica cristã.
 
Diga-se que os direitos fundamentais foram consagrados pela Gundgesetz - Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, fonte de inspiração para as novas constituições européias, com forte e atual influência na doutrina e na jurisprudência do direito constitucional brasileiro. Os fatos históricos da Gundgesetz podem ser lidos aqui e acolá.

Bento XVI socorre-se da passagem do Livro dos Reis, em que o jovem Salomão, sucedendo como rei seu pai Davi, pede ao Senhor Deus: "Concede ao teu servo um coração dócil, para saber administrar a justiça ao teu povo e discernir o bem do mal" (1 Rs 3, 9). Com essa matriz bíblica, o Papa inicia e encerra o discurso.

Permeia o discurso o papel do político no contexto atual, na busca de reconhecer o que é justo e injetando-o na norma legal a ser criada. Normalmente, as normas legais são aprovadas pelo critério da maioria. Porém, nas questões fundamentais de direito, que envolvem a dignidade da pessoa humana e da humanidade, o Papa toca nesse critério técnico de aprovação de lei, que, no passado, já fora mencionado pelo jurista francês Georges Ripert (1880-1959), com esta indagação: "Será a força do número quem ditou a regra e não o espírito de justiça?" O Papa afirma que "o princípio maioritário não basta". E completa: "no processo de formação do direito, cada pessoa que tem responsabilidade deve ela mesma procurar os critérios da própria orientação."

Será que uma norma legal aprovada pelo Parlamento, pelo princípio da maioria, é sempre justa?

O discurso do Papa contém uma carga jurídica e política muito grande. Estimula o homem público (político), que representa o povo, a recorrer àquela matriz bíblica de seguir o direito, corrigir a injustiça, discernir entre o bem e o mal.

É um discurso para dentro e para fora da Alemanha, à vista da grandeza e profundidade dos temas atuais tratados, a merecer maiores considerações por parte dos filósofos, juristas, políticos e teólogos.

"Servir o direito e combater o domínio da injustiça é e permanece a tarefa fundamental do político" - afirma categoricamente Bento XVI.


Fonte da imagem: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,15410004,00.html

sábado, 17 de setembro de 2011

O leitor na Missa



Nos dias de hoje, o leitor está em cena por obra do Concílio Vaticano II (1962-1965), o evento de maior relevância na vida da Igreja, no século XX. Isso não quer dizer que o leitor estivesse desde sempre fora do cenário da Igreja. Ao contrário, nos primaveris tempos do cristianismo nascente, o leitor estava no centro da vida litúrgica - e como estava! Mas, por muitos séculos, foi colocado no limbo do esquecimento.

Típico leitor do cristianismo primitivo foi, por exemplo, Justino (século II d.C.), que legou para as gerações cristãs futuras a descrição da celebração eucarística, cuja moldura continua atual.

Modelo de leitor foi o próprio Jesus. Era sábado, Jesus estava em Nazaré. Como sempre fazia, ele entrou na sinagoga para participar da liturgia judaica. Jesus levanta-se para fazer a leitura das Escrituras, entregam-lhe o livro do profeta Isaías. Jesus abriu o livro  em Is 61, 1-2. Proclamou. Enrolou o livro e o entregou ao responsável. Sentou-se. Todos tinham o olhar fixo nele (Lc 4, 16-21).

Aí, com Jesus, estão presentes duas maneiras de comunicação: a verbal (leitura) e a não verbal (corporal). Dessa forma, ele conseguiu atrair para si as atenções, ou melhor, uma escuta muita atenta por parte da comunidade reunida ao que estava sendo anunciado.

A palavra proclamada lhe valeu a incomum atenção auditiva e visual da assembléia sinagogal,  porque sua comunicação foi plena, sem ruídos. A palavra proclamada (e por quem a proclamou) cativou a comunidade.

É requisito para o leitor a interiorização do texto a ser lido, com a captação do conteúdo da mensagem e da sua forma literária, e o treinamento em voz alta e pausada, de maneira a habilitá-lo a proclamar (do latim, pro + clamare = anunciar pública e solenemente diante de).

Feito isso, o leitor cuida da sua postura - a apresentação pessoal, o caminhar, sentar ou levantar, o escutar ou silenciar. São gestos do corpo que falam, que comunicam. Para tudo há momento, já diz o Eclesiastes (Ecl 3, 1-8).

A proclamação faz-se diretamente do livro litúrgico denominado lecionário, no ambão.

A espiritualidade do leitor se alimenta da própria Palavra e crescerá na medida em que vivenciar Jesus como paradigma (Lc 4, 16-21), Caminho, e recorrer às fontes da liturgia cristã. E também por esforçar-se em seguir as técnicas apropriadas de leitura em público.

 Na ordem de que o leitor é o primeiro a ter contato com a Palavra, ele se coloca como o primeiro destinatário, receptor da mensagem. Ao texto ele dá vida, e o anuncia sempre como novidade.

Afinal, passar de bom para excelente leitor.


Leia mais:




Fonte da imagem: http://www.nsrainha.com/interno/index.php?sid=456

domingo, 11 de setembro de 2011

Concílio Vaticano II fica e seus protagonistas se vão



Com o falecimento de Dom Clemente José Carlos Isnard, 94 anos, bispo emérito da Diocese de Nova Friburgo (RJ) e ex-vice presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) perdeu mais de um dos seus padres conciliares, protagonistas da abertura da Igreja para o mundo e do retorno da liturgia às suas fontes.

Dom Clemente Isnard, ordenado bispo em 25 de julho de 1960, participou das sessões do Concílio Vaticano II, com acentuada atuação na área da liturgia. Sobre o papel desempenhado por Dom Clemente na liturgia da Igreja no Brasil já o tratamos aqui.

A quem queira aprofundar-se sobre o Concílio Ecumênico Vaticano II, ou mais especificamente acerca da participação dos prelados brasileiros, a tese de doutoramento do Pe. José Oscar Beozzo é, por certo, o documento indicado, de muita pesquisa e de valia histórica, com 463 páginas, sob o título "Padres conciliares brasileiros no Vaticano II: participação e prosopografia 1959-1965".


Leia mais:

Dom Clemente Isnard, por Dom Luiz Demétrio Valentini


Fonte da imagem: http://seminariodenovafriburgo.blogspot.com/p/diocese.html

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Jornada Mundial da Juventude - 2011



Capitaneada por Bento XVI, de 18 a 21 de agosto de 2011, foi realizada em Madri (Espanha) a XXVI Jornada Mundial da Juventude - JMJ 2011 Madri, cujo tema foi: "Enraizados e edificados n'Ele...firmes na fé" (cf. Cl 2,7).

Bem sabemos que a Jornada Mundial da Juventude foi idealizada pelo Papa João Paulo II, e a I Jornada Mundial da Juventude aconteceu em 1986, em Roma, cujo tema foi "Sempre dispostos a dar resposta a todo aquele que lhes pede a razão da vossa esperança" (1Pd 3,15).

Se a razão da nossa esperança devemos dá-la a quem no-la pede, é porque, enraizados e edificados em Cristo, somos firmes na fé, ou fomos tocados pela experiência de Deus em momentos de nossas vidas. Daí, vê-se a proximidade dos temas da I Jornada e da XXVI Jornada.

Há uma continuidade entre as Jornadas. Isso sugere que o espírito que norteia cada Jornada não se esgota naqueles poucos dias de concentração, mas ele passa a fazer parte da vida da/o jovem (e por que não de todos os cristãos?) a todo tempo, ou, como queiram, de uma Jornada a outra, sem descontinuidade.

Nesse sentido, o contínuo crescimento na adesão a Cristo e seu Evangelho tende ao amadurecimento da vivência amorosa da fé e à celebração, em comunidade, dos mistérios dessa mesma fé, para, por Cristo e no Espírito Santo, louvar e agradecer ao Pai. Em assim sendo, as Jornadas geram frutos. E isso é muito bom.

E, agora, Rio de Janeiro, para a JMJ 2013, que se realizará entre os dias 23 e 28 de julho de 2013, com o tema: "Ide e fazei discípulos todos os povos" (Mt 28,19).



Fonte da primeira imagem:
http://www.analisisdigital.org/2011/08/16/el-cardenal-rouco-hemos-tratado-de-preparar-la-jmj-como-una-ocasion-de-vivir-mas-a-fondo-lo-esencial-de-la-fe/


Fonte da segunda imagem:
http://paroquiasaofranciscoguara.wordpress.com/2011/08/25/o-papa-anuncia-que-a-proxima-jmj-sera-em-2013-no-rio-de-janeiro/