quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Papa Francisco dá nome às doenças da Cúria Romana

Vos exorto a cuidar de vossa vida espiritual, da vossa relação com Deus, porque esta é a coluna vertebral de tudo aquilo que fazemos e de tudo o que somos. Um cristão que não se alimenta com a oração, os Sacramentos, a Palavra de Deus, inevitavelmente perde o vigor e seca.


O Papa Francisco apronta mais uma surpresa. Mas convenhamos, temos um Papa com grande bagagem de experiência pastoral, afinado com os problemas diários e mais comuns do povo e com os altos e baixos das administrações eclesiais.

A surpresa, desta vez, ficou por conta da apresentação dos tradicionais votos de Feliz Natal à Cúria Romana.

No discurso de felicitações, o Papa Francisco, na esteira da reforma e melhoria da Cúria Romana, cuidou de seduções do fascínio do poder. Ao mau funcionamento ou desvio de sua missão, o Papa, usando linguagem figurativa, compara a Cúria Romana ao corpo humano, sujeita a doenças, enfermidade, tentações.

Ninguém pense, porém, que as patologias do poder, reais ou possíveis (o Papa as nomeia em número de quinze "doenças") digam respeito exclusivamente à Cúria Romana. Pela mesma motivação, elas podem extensivamente alcançar todos os que exercem poder de administração na Igreja, inclusive nas paróquias. São doenças que rondam as pessoas que detenham qualquer parcela de poder (Cúria Romana, Cúrias Diocesanas, Paróquias).

Ninguém delas está livre. Nesse sentido, se expressa o Papa:

Irmãos, naturalmente todas estas doenças e tentações são um perigo para todo o cristão e para cada cúria, comunidade, congregação, paróquia, movimento eclesial, e podem atingir seja a nível individual seja comunitário.

Em síntese, a causa das doenças se depara nestas palavras do Papa Francisco:

A Cúria é chamada a melhorar, a melhorar sempre, crescendo em comunhão, santidade e sabedoria para realizar plenamente a sua missão.

Constato quatro palavras-chave: comunhão, santidade, sabedoria e missão. Cada palavra é de conteúdo denso e comporta estudo aprofundado em lugar próprio.

Para o Papa Francisco, o médico dessas doenças é o Espírito Santo:

É preciso deixar claro que o único que pode curar qualquer uma destas doenças é o Espírito Santo, a alma do Corpo Místico de Cristo, como afirma o Credo Niceno-Constantinopolitano: «Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida». É o Espírito Santo que sustenta todo o esforço sincero de purificação e toda a boa vontade de conversão.

Numa leitura rápida, três doenças chamam, por ora, a minha atenção: A doença da rivalidade e da vanglória (7ª), A doença da indiferença para com os outros (11ª) e A doença dos círculos fechados (14ª).

Por um ou outro viés, essas questões comportamentais têm ocupado a atenção de algumas pessoas. Por exemplo, Richard M. Gula, S.S., professor de Teologia Moral, tratou da ética em seu livro Ética no Ministério Pastoral. E já, em 1996, quando da publicação do livro nos Estados Unidos, afirmara:

Os ministros pastorais da Igreja Católica Romana não têm nenhum código formal de ética.

Propondo um Código de Ética (ver no mesmo livro), Richard M. Gula chegou a fazer um pequeno rol das virtudes morais a que todos os ministros devem aspirar, quais sejam: santidade, amor, confiabilidade, altruísmo e prudência. Estas virtudes comportam também explanações sobre elas em lugar próprio.

Por fim e por ser oportuno, a recente entrevista do Padre Antonio Spadaro, Diretor da revista La Civiltà Cattolica, à Radio Vaticano (RV), é neste aspecto muito interessante e esclarecedora, como a seguir reproduzo:

RV: Alguns repovam as contantes “batidas” que Francisco dá nos católicos e destacam como, pelo contrário, o fato de o Papa ser muito apreciado em ambientes distantes da Igreja e seja muito apreciado e considerado também por muitos ateus. Na sua opinião, o que significa tudo isto?

“São duas coisas diferentes. A primeira: eu diria que o Papa não “bate” nos fiéis, quando muito dirige a eles um apelo, um exame de consciência e um exercício espiritual. Também o famoso discurso à Cúria, para as felicitações de Natal, foi um discurso muito denso, muito forte, que teve o seu núcleo num apelo para se recordar da relação com Cristo: evitar o Alzheimer espiritual”, como ele o definiu. Portanto, fazer memória do encontro com Cristo para seguir em frente. Claramente, fazendo memória, nos damos conta de como é a vida que nós vivemos. É uma vida marcada por misérias, por pecados. E assim, o Papa faz um apelo para uma consciência nova, sobretudo para que o pecado não acabe se transformando em corrupção. Portanto, o Papa se torna muito duro, muito forte, porque quer que a Igreja testemunhe Cristo e não testemunhe uma série de práticas, de idéias que coloquem em risco o cristianismo. Por outro lado, esta mensagem é muito acolhida em ambientes também distantes, porque no fundo, a mensagem que prega Francisco é um Evangelho puro: não é tanto o Papa que toca, mas a mensagem que ele consegue comunicar com a sua pessoa, com absoluta simplicidade e coerência. Portanto, chega diretamente: se uma vez existia a necessidade de grandes interpretações – às vezes a mensagem do Papa na sua pureza foi depois fechada e engaiolada em interpretações e visões – aqui o Papa comunica diretamente. A mensagem chega no momento em que parte, poderíamos assim dizer...Esta é uma grande força: é o fascínio do Evangelho, no final das contas”.

O discurso do Papa Francisco, em sua íntegra e em português, pode ser lido aqui.


O amor e o poder não são necessariamente oponentes.
(Richard M. Gula, S.S.)


Fonte da imagem:
http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/vaticano/vaticano-papa-fala-sobre-15-doencas-na-igreja-no-encontro-de-natal-com-a-curia-romana/

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