sexta-feira, 8 de junho de 2007

Da missa assistida à missa celebrada - parte 2 de 2

3. Houveram reações a esse deslocamento na compreensão e na vivência do mistério pascal celebrado. Uma dessas reações levou o nome de movimento litúrgico.

Movimento litúrgico é uma reação que se inicia nos ambientes monásticos no século XIX e ganha impulso com os Papas Pio X (1903-1914) e Pio XII (1939-1958).

A coroação do ideário do movimento litúrgico se deu com o Concílio Vaticano II, ao aprovar a Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia (SC), tornada pública em 4 de dezembro de 1963 pelo Papa Paulo VI. Foi o primeiro documento aprovado pelos padres conciliares, levando a justificar o quanto amadurecido era, à época, o ideário do movimento litúrgico.

Segundo Frei José Ariovaldo da Silva, OFM, “a Igreja, mediante a Constituição Sacrosanctum Concilium, tomou uma importante decisão pastoral: resgatar o essencial que se havia ‘perdido’ e recolocá-lo no seu eixo central.” (Sacrosanctum Concilium e reforma litúrgica pós-conciliar no Brasil, in A Sagrada Liturgia 40 anos depois, da Coleção Estudos da CNBB nº 87, Paulus, 2003, pág. 39).

O resgate do essencial, ou seja, do que “se havia perdido”, importa numa tomada de conscientização não para uma nova face da igreja, mas sim para a redescoberta daquela face que ficara por longo período, quase todo o segundo milênio, na sombra.

Nesse sentido, fala-se em resgates, aliás, necessários para a redescoberta da face da igreja que estivera na sombra. Para Frei José Ariovaldo da Silva, OFM, na obra mencionada (pág. 39), com a Constituição sobre a Sagrada Liturgia (SC):

Resgata-se a centralidade do mistério pascal na celebração da Liturgia (...). Resgata-se a vivência e compreensão da Liturgia como celebração do mistério pascal, como momento histórico da salvação. Resgata-se a Liturgia como a fonte mais excelente de espiritualidade cristã.

Resgata-se a linguagem simbólico-sacramental de toda a Liturgia (...). E resgata-se a compreensão dos sacramentos como celebração do mistério pascal

Resgata-se a dimensão eclesial-comunitária da Liturgia (...).


Resgata-se a prioridade da participação plena, consciente e ativa na Liturgia (...).


Resgata-se a tradição antiga de uma Liturgia que sabe se adaptar à índole dos difer
entes povos.

Um retorno às fontes (períodos: apostólico e patrístico).

Conscientizar de que o mistério pascal de Cristo é o eixo central da missa, e não as devoções ao Santíssimo Sacramento e aos santos. E conscientizar de que o Espírito Santo, desde o batismo de Jesus e mormente a partir do Pentecostes, é como que a alma da celebração litúrgica.

No retorno ao mistério, onde opera o Espírito, encontramos o Cristo, posto que, como ensinava São Leão Magno (século V): “aquilo que era visível no nosso Salvador passou para os mistérios” (Serm. 74,2: PL 54,398A, citado pelo Catecismo da Igreja Católica, n. 1115). Ou, na tradução da Antologia Litúrgica (Fátima, Secretariado Nacional de Liturgia, org. José de Leão Cordeiro, pág. 1031): “o que na vida do nosso Redentor era visível passou para os ritos sacramentais” (Papa Leão Magno, Sermones de Ascensione Domini [2] (= PL 54, 394-400; PLS 3,337;CCL 138 A; SCh74 bis; LH,II)).

“Nós encontramos nos mistérios do culto cristão a pessoa de Cristo, a sua obra salvífica, a sua eficácia de graça: “Eu te encontro nos teus mistérios” (AGOSTINHO, Apologia Prophetae David, 58)” (Prof. Dr. Pe. Pedro Alberto Kunrath, PUCRS, A Igreja e a Oração Litúrgica como Celebração do Mistério, in Teocomunicação Rev. Trim. de Teologia, editada pela PUCRS, Porto Alegre, v. 35, nº 149, Set. 2005, p. 481-495, nota de rodapé nº 26, à pág. 491).

Redescobrir a igreja como corpo místico de Cristo. Cristo é a Cabeça e os fiéis os seus membros. A liturgia tem sua dimensão divina e humana. Essa redescoberta dá enfoque à dimensão eclesial-comunitária, com destaque para a assembléia (povo convocado). É toda a assembléia, presidida pelo padre, que celebra. Deixa de ser o padre o único celebrante.

Hoje, mais do que participação ativa, consciente e plena, fala-se em celebrar. Para uma ou outra categoria passa-se pela formação litúrgica, que deve ser objeto de uma Pastoral Litúrgica.

Para Frei Alberto Beckhäuser, OFM, “a participação ativa, consciente e plena constituem requisitos para se obter uma participação frutuosa e eficaz.” (Liturgia na Vida da Igreja, in A Sagrada Liturgia 40 anos depois, da Coleção de Estudos da CNBB nº 87, Paulus, 2003, pág. 86).

A Constituição Sacrosanctum Concilum (SC), em verdade, preceitua que “os fiéis participem dela [celebração] com conhecimento de causa, ativa e frutuosamente.” (n. 11). Adiante, no número 14, a SC coloca novamente o tema: “que todos os fiéis sejam levados àquela plena, cônscia e ativa participação das celebrações litúrgicas.” E mais: “Cumpre que essa participação plena e ativa de todo o povo seja diligentemente considerada na reforma e no incremento da Sagrada Liturgia” (SC, n. 14).

Com o advento do Concílio Vaticano II e a implantação das diretrizes contempladas na Constituição Sacrosanctum Concilium, a Igreja inicia a tarefa de fazer a passagem da missa assistida para a missa celebrada. A missa esta que contempla, como diretriz forte, a participação do povo como sujeito da celebração.

Agora, mãos à obra, pois, como dizia o Papa Paulo VI: “A tarefa do Concílio Ecumênico não está completamente terminada com a promulgação de seus documentos”.

Nesse sentido, vários documentos têm sido emitidos pelos Papas e Cúria Romana, assim como pela CNBB, para a implantação das diretrizes da Sacrosanctum Concilium.

Missal Romano, Lecionários e outros mais livros litúrgicos são adaptados ou elaborados segundo os desígnios do Concílio Vaticano II, traduzidos para a língua portuguesa.

Na apresentação da versão brasileira da segunda edição típica do Missal Romano, Dom Clemente José Carlos Isnard, OSB, então presidente da Comissão Episcopal de Liturgia, enfatizando a importância do novo Missal e da recordação do conteúdo da sua Instrução Geral, assim como da colocação em prática do Documento 43 da CNBB, destaca: “Não basta ter livros novos, é preciso renovar a vivência”.

Renovar a vivência, eis o grande desafio transformador. Entretanto, as normas e os livros ficarão apenas no papel, se pessoas não se qualificarem para a redescoberta da liturgia como sendo de natureza divina e humana, como assim celebrá-la e vivê-la.

Se a liturgia celebrativa fosse apenas divina, seria algo abstrato, não palpável ao ser humano. E, se fosse apenas humana, a celebração não passaria de evento comemorativo de tal e qual fato ocorrido no passado.

Liturgia em ação é celebração, e celebração só se faz com pessoas celebrantes, ativas.

Foto: Missa de encerramento da Semana de Bento 2006, em 11/10/2006, na Igreja Matriz Santo Antônio, em Bento Gonçalves - RS. Crédito da foto: Leandro Bortollozo.

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