terça-feira, 21 de maio de 2013

A banalização da missa



O padre jesuíta Johan Konings publicou na Revista DomTotal, edição de 11 de julho de 2012, o artigo intitulado "A banalização da missa", que, ante a sua atualidade, reproduzo abaixo.

De início, Johan Konings se reporta ao artigo (Misses do Holocausto) do jornalista João Pereira Coutinho, escritor português, sobre o concurso para eleger a "Miss Sobrevivente do Holocausto", realizado na cidade israelense de Haifa, que o deixava pasmo diante da vulgarização daquilo que, no seu entender, "não deveria ser vulgarizado".

João Pereira Coutinho vê, no caso do concurso das Misses, uma vulgarização do Holocausto. E Johan Konings vê a vulgarização, ou banalização da Missa, quando o Mistério que se celebra some, e desponta a missa show, "o programa de tevê ou o padre midiático". Vulgarização também quando há "transgressão das sábias regras litúrgicas" e outras coisas mais.

E eis o artigo do padre Johan Konings:


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"João Pereira Coutinho comentou na Folha de São Paulo 02/07/2012 a escolha de uma Miss Holocausto, observando: “As lágrimas de um actor que finge para as câmeras os horrores vividos em Auschwitz ou Treblinka são apenas isso: um fingimento [...] Por isso pasmo com um concurso recente, montado na cidade israelense de Haifa, para eleger a ‘Miss Sobrevivente do Holocausto’". A escolhida surge na foto da ‘consagração’ com faixa, buquê de flores e coroa de miss. 

Conhecendo sobreviventes dos campos de concentração felizes por mostrarem a matrícula queimada em sua carne, eu não seria tão severo como o colunista português da Folha. Mas, de algum modo, o fato me faz pensar na banalização da missa em certos ambientes da Igreja católica. Pode-se transformar em espetáculo a lembrança de Jesus de Nazaré que, consciente da cruelíssima execução que o esperava, reuniu seus seguidores para tomar a ceia pascal, ressignificando o pão e o vinho da mesa como seu corpo entregue em prol da humana multidão e como o sangue que sela a definitiva aliança do Deus-Amor? 

Não é aqui o lugar de deslindar toda a inesgotável significação do gesto supremo do profeta de Nazaré, a Última Ceia e o dom da vida na Cruz. Nem pretendo discutir as questões teológicas surgidas em torno da eucaristia na Idade Média, nem me pronunciar sobre regras canônicas em torno de eucaristia e comunhão. Quero tecer uma consideração ‘estética’, no sentido profundo deste termo que significa: percepção. Quero denunciar a banalização que resulta de exageros na celebração em geral e, de modo especial, na exposição midiática. 

Diante do indizível, cabe o silêncio, ou a ‘palavra recolhida’. Por ‘palavra recolhida’ entendo o falar que se recolhe diante daquilo que ele traz à memória, palavra que se torna pequena à medida que a própria realidade rememorada se torna presente. Assim como João Batista declarou quando chegou Jesus: “Convém que ele cresça, e eu diminua” (Ev. de João 3,30). A palavra ou o gesto comemorativo inicia a evocação –a ‘convocação’– do Mistério para logo ceder o lugar à realidade do Mistério. O rito deve se esfumar diante do Mistério. 

Todo rito verdadeiro desempenha uma profunda função simbólica, e se não aponta para uma realidade autenticamente vivida, é falso. Cantar o hino nacional enquanto só se pensa em explorar seus compatriotas é rito falso. Assim, os ritos ligados à Eucaristia, memorial da vida levada à consumação na morte e ressurreição de Cristo, devem fazer surgir essa realidade naqueles que participam do rito. E estes devem ‘dar seu coração’ a essa realidade. ‘Dar o coração’, na sua longínqua origem, no latim, é ‘cor dare’, daí, ‘credere’: crer, recordar. Sem essa entrega do coração, o rito é vazio e, muitas vezes, falso, quando presenciado com outras intenções... 

Daí a minha pergunta: as celebrações eucarísticas apresentadas como show, seja em algum megatemplo, seja num programa de tevê, ‘convocam’, chamam à presença o Mistério inefável do amor de Deus que se manifesta na doação da vida por Jesus de Nazaré? Fazem quem assiste penetrar nesse Mistério de vida ressurgida da morte por amor infinito? A celebração deve ser uma evocação, não um evento importante por si mesmo que tome o lugar daquilo que evoca. Deve ser um traço, um vestígio rememorado, não uma ‘performance’. O evento re-presentificado é o próprio Jesus –sua vida, morte e ressurreição–, não o programa de tevê ou o padre midiático. 

Na sobriedade da liturgia romana, as palavras da Última Ceia, evocadas na consagração, tornam presente Jesus mesmo em seu mistério de vida, morte e ressurreição. Para que então alguns padres, em patente transgressão das sábias regras litúrgicas, fazem logo depois da consagração, interrompendo a indivisível oração eucarística, uma nada discreta procissão ostentando o pão e o vinho “milagrosamente transformados”? Não é isso que denuncia a palavra do sábio: “Quando aponto o céu, olham para meu dedo em vez de contemplar as estrelas”? 

Aquilo para que não existem palavras tornou-se objeto de exibição sensacionalista, de ‘efeitos visuais’. De tanto alardear o mistério, o mistério sumiu... Fugiu? 

Claro, em toda estética há diversos estilos que podem ser apreciados com muito gosto, mas há também os intragáveis. Estamos, aqui em Minas (e na América Latina), acostumados ao estilo barroco. Decerto, o barroco é teatral, ainda que o de Minas conserve bastante da simplicidade medieval-portuguesa. Porém, não é esta ‘abundância inocente’ que eu critico, mas o esquecimento do Mistério, sufocado por formas vazias, sensacionalistas, sentimentalistas, comerciais até, que invadem nossos templos e programações religiosas. E isso – pelo que aparece no recente censo da religião no Brasil – com pouco sucesso em termos de propagação da fé! Não estaria na hora de voltar ao essencial?"


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Leia mais:

Missa não é opereta - Padre Zezinho


Fonte da imagem:
http://programareligare.blogspot.com.br/2010_09_01_archive.html

Fonte do texto reproduzido:
http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=2903

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