O tempo é um referencial para o homem, sem o qual ele estaria sem condições para historiar, ou seja, fazer a história de si mesmo, da família, da sociedade, dos povos, das instituições, e assim por diante. O homem necessita do tempo para marcar os fatos, sobremodo aqueles a serem festejados ou celebrados. Por exemplo, sem o tempo como o homem estabeleceria a duração das coisas?
O conceito de tempo traz certa complexidade. As culturas influenciam-no, mas o fazem carregado de riqueza conceitual. E até mesmo ao grande Santo Agostinho não esteve ausente essa dificuldade, como se lê em suas Confissões (XI, 14:17): “Por conseguinte, o que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então não sei.”
Para a cosmologia o tempo é uma realidade da natureza pela qual se dimensiona, independentemente da ação humana, a marcação e a duração das coisas. Daí, os dias, nas alternâncias de luz e trevas, estações e anos.
O homem sentiu a necessidade de “intervir” no tempo (nisto, o homem difere dos outros seres da natureza). Por apropriação daquele, nasce o tempo sagrado. O homem passa a experimentar o “tempo dos deuses”. Daí, as manifestações divinas – hierofanias.
Esse tempo sagrado é uma realidade que se projeta de forma circular, que retorna sempre ao ponto inicial. É um tempo recuperável, com a mesma hierofania.
Enquanto os outros povos se detinham na concepção circular ou cíclica do tempo, o povo hebreu (judeu) crescia numa concepção diferenciada do tempo. É uma nova concepção do tempo sagrado. Dada sua repercussão ao nosso tema, aproveitamos a denominação de tempo “bíblico-cristão”. Mircea Eliade, em seu livro Mito do Eterno Retorno, afirma “... que os hebreus foram os primeiros a descobrir o significado da história como epifania de Deus, e essa concepção, como seria de esperar, acabou sendo assimilada e ampliada pelo cristianismo”.
Com o povo bíblico, há uma qualificação do tempo e da manifestação divina. O tempo se projeta de forma linear. É um tempo progressivo: o homem faz uma caminhada para frente, com visão de um futuro melhor. Não é qualquer manifestação, mas é a manifestação de Deus – teofania. Deus vai se manifestando no curso do tempo, na história de um povo. Com Abraão, há o início da superação das práticas rituais com relação às de outros povos. Enquanto estes o faziam por costume, Abraão o faz por um ato de fé; fé no Deus que lhe manifesta de forma pessoal em dado momento da história. É, afinal, o tempo histórico salvífico, ou tempo da salvação. Com Jesus de Nazaré, o Cristo, a história da salvação alcança sua manifestação definitiva, ou a plena comunicação de Deus.
Para o cristianismo, “o tempo litúrgico é um sinal de salvação e um modo de presença de Cristo no tempo dos homens”, como afirma J. López Martín (A Celebração na Igreja, vol. 3, Dionisio Borobio [org.], São Paulo, Edições Loyola, 2000, pág. 38). O tempo litúrgico dá continuidade à história da salvação. O tempo litúrgico desenvolve no ano todo o mistério de Cristo, em ritmos diário, semanal e anual. O ciclo anual do tempo litúrgico compreende o Tríduo Pascal, o Tempo Pascal, o Tempo da Quaresma, o Tempo do Natal, o Tempo do Advento, o Tempo Comum e as Rogações e as Quatro Têmporas do Ano, conforme dispõem as Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, aprovadas pelo Papa Paulo VI, em 14 de fevereiro de 1969.
Daí, o calendário litúrgico. Este é que dá, de forma orgânica, concreta visibilidade dos fatos da salvação do ano litúrgico a serem celebrados. Ou, como dizem as Normas Universais do Ano Litúrgico e Calendário Romano Geral: “A disposição das celebrações do ano litúrgico é regida pelo calendário (n. 48).”
O tempo comum proporciona a celebração dos mistérios de Cristo de forma plena. Sem ele não haveria a recapitulação progressiva e profunda de toda a história da salvação. Levar em consideração apenas os tempos especiais, também chamados tempos fortes (por exemplo, Tríduo Pascal e Tempo do Natal), “significa esquecer que o ano litúrgico consiste na celebração, com sagrada lembrança no curso de um ano, de todo o mistério de Cristo e da obra da salvação” (J. López Martín, L’anno liturgico, citado por Augusto Bergamini, Cristo, Festa da Igreja, São Paulo, Editora Paulinas, 1994, pág. 415).
O tempo comum é o mais longo do ano litúrgico, entre 33 e 34 semanas. Tem duas fases. A primeira começa na segunda-feira que se segue ao domingo do batismo de Jesus (quando termina o Tempo de Natal) e vai até terça-feira, inclusive, que antecede a Quarta-Feira de Cinzas (quando começa o Tempo da Quaresma). A segunda fase começa na segunda-feira após o domingo de Pentecostes (quando se encerra o Tempo Pascal) e termina antes das primeiras Vésperas do primeiro domingo do Advento.
Vejamos como o Cerimonial dos Bispos, também chamado Cerimonial da Igreja, procura caracterizar o tempo comum: “Além dos “tempos” que revestem um caráter próprio, sobram trinta e três ou trinta e quatro semanas no círculo do ano em que não se celebra nenhum aspecto peculiar do mistério de Cristo; antes se comemora, na sua plenitude, esse mesmo mistério de Cristo, de modo especial aos domingos. Este período, designa-se por ‘tempo comum’” (n. 377).
O tempo comum retrata a vida pública de Jesus. É o tempo em que os seguidores de Cristo põem as mãos à obra: aprofundar-se no conhecimento do mistério pascal e no pautar a vida nova pelas exigências evangélicas. Ou, como se referem as já mencionadas Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, tempo em que “não se celebra nenhum aspecto especial do mistério do Cristo” (n. 43).
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